A Princesa dos Ventos (Parte 2)

| 29 agosto 2015 |



Finalmente havia chegado o meu grande dia. Eu acordei antes de sequer alguém trazer o meu desjejum, o que não era nem um pouco usual. Abri as cortinas para que o sol banhasse o meu quarto com todo o seu brilho, mas não pude deixar de me decepcionar ao ver o céu nublado daquela forma. Como a natureza tinha a audácia de tentar estragar o momento mais importante da minha vida?

Mas aquilo não tinha importância. Voltei novamente para o centro do quarto, onde estava a mais bela obra prima que eu já tinha visto. Qualquer um dos outros vestidos que já me fizeram não chegavam aos pés desse. Eu seria a princesa mais bela que qualquer um já tenha visto. Todos os príncipes, de todos os Reinos, não teriam olhos para nenhuma outra garota naquele palácio essa noite.

Mal podia conter minha alegria. Desejava fervorosamente que o dia passasse e a minha noite finalmente tivesse o seu início. Comecei a rodopiar no quarto, sem me importar com o que aquilo pareceria, até ouvi uma risada perto da porta.

Parei de costas para quem quer que fosse, apenas para tentar me acalmar. Minha mãe havia me dito que eu deveria me portar como uma princesa, que um dia seria uma rainha, portanto, não poderia me exaltar com os criados. Deveria mantê-los na linha, mas com sutileza.

Eu iria seguir os seus conselhos, repreender aquela criatura que não conhecia o seu lugar, porém, de forma elegante, mas o fato de que aquilo não foi uma risada isolada, que ela ainda ria de mim, mesmo que agora eu estivesse apenas parada, sem nem lhe dirigir o olhar, era mais do que a minha paciência poderia suportar.

Virei abruptamente, pronta para pegar o que estivesse ao meu alcance e jogar em quem quer que fosse, mas paralisei no mesmo instante em que encontrei os seus olhos.

Não havia mais pensado naquela mulher desde aquele dia. Me convenci que tudo não havia passado de obra da minha imaginação, que eu estava muito nervosa com a aproximação do meu baile. Os nobres de reinos mais distantes começaram a chegar, para se instalarem no castelo e minhas atribulações me impediram de pensar em qualquer outra coisa. Até aquele momento.

O seu olhar me paralisava, como se algum tipo de medo muito antigo voltasse a superfície da minha alma. Ela ainda ria, olhando em minha direção, enfatizando ainda mais as rugas proeminentes em seus olhos, e tudo o que eu sentia era vontade de chorar.

A porta as suas costas já estava fechada. Eu queria gritar, pedir que alguém viesse me ajudar, que tirassem imediatamente aquela pessoa da minha frente, mas nada saía da minha garganta e lágrimas começaram a escorrer de meus olhos.

Eu sentia uma mistura de frustração, raiva e medo, enquanto ela se aproximava cada vez mais de mim. Queria me mexer, sair correndo, fazer qualquer coisa, mas meu corpo não me obedecia.

Ela parou bem a minha frente, com um sorriso superior em seu rosto. Eu podia sentir meu coração querendo abrir um buraco para sair a força do meu peito. O ar começou a me faltar quando ela levantou as mãos e tocou meu rosto.

Eu estava com medo, mas o seu toque era gentil e eu não pude deixar de sentir algo suave saindo de suas mãos e entrando em contato direto com a minha face. Era como se uma brisa suave tocasse o meu rosto, invadisse a minha pele e encontrasse o seu caminho deslizando por dentro de mim.

Aquela sensação era inebriante, ao mesmo tempo em que era assustadora. Eu sentia que morreria se não tivesse mais aquele toque em minha pele e aquela sensação percorrendo o meu corpo. Eu já não tinha mais consciência de quem eu era, de onde eu estava ou quem era aquela pessoa a minha frente. Apenas sabia que meu mundo nunca mais seria o mesmo.

- Agora, minha querida princesa, você terá que aprender com os seus erros, ou encontrar o seu fim através deles. A escolha será sua, sempre foi. Você só terá que escolher o que é certo.

Eu mal consegui perceber as suas palavras, pois, quase naquele mesmo instante, ela tirou as mãos do meu rosto. Como eu imaginei, aquela era a pior sensação que eu poderia sentir. Meu corpo não aguentaria sustentar algo tão pesado quanto a minha existência sem toda aquela energia dentro de mim.

O sorriso não tinha deixado o seu rosto, e ele foi a última coisa que eu vi antes de desabar, no chão do meu quarto, sem saber se voltaria a acordar algum dia.
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Abri os olhos sem entender exatamente o que estava acontecendo. Meu quarto estava cheio de pessoas e minha mãe chorava abraçada ao meu pai. Um homem velho tocava meu rosto, meu pescoço e utilizava uns instrumentos estranhos para, aparentemente, sentir algo dentro de mim.

Ele suspirou pesadamente quando me viu abrir os olhos. O alívio transparecia em seu olhar. Vários murmúrios começaram a se espalhar entre aquelas pessoas e, quando percebi, minha mãe já estava estirada em minha cama, me abraçando e espalhando novas lágrimas, dessa vez, em cima de mim.

- Minha querida! – Ela mal conseguia falar. Se não estivesse tão perto, não entenderia sequer uma palavra que estava deixando os seus lábios. – O que aconteceu? Eu tive tanto medo que você nunca mais acordasse.

Eu não entendi a sua pergunta e não me lembrava direito do que tinha acontecido. Olhei para a janela e minha cortina estava aberta. Eu me lembrava de ter levantado e ido até a janela, mas o dia já estava claro. Agora estava um breu do lado de fora.

Empurrei minha mãe para o lado e fui em direção a janela. Minhas pernas ficaram levemente bambas, mas consegui manter o equilíbrio. Todos ali pareciam me seguir de perto. Olhei pela janela e centenas de carruagens estavam paradas. Todas belas e requintadas. Eram os nobres que haviam chegado para o meu baile.

O meu baile! Como poderia ter me esquecido? Hoje era o meu grande dia e eu ainda não estava pronta. Sequer tinha me preparado para aquele momento. Como aquilo poderia ter acontecido?

Eu não conseguia entender como tinha passado todo o dia dormindo, até que me lembrei de algo. Me virei abruptamente, olhando para os rostos de todos ali presentes. Comecei a ofegar, apenas de lembrar do que tinha acontecido. Mas, será que aquilo tinha realmente acontecido? Será que foi um sonho causado por algo que me fez dormir todo o dia? Eu não sabia o que pensar, mas o aperto em meu coração me dizia que tudo aquilo não era obra da minha imaginação.

Um desespero que eu nunca havia sentido começou a se instalar dentro de mim. Aquela sensação era destruidora. Eu nunca senti algo tão intenso, algo tão ruim, que como princesa não pudesse resolver. Tudo o que acontecia em minha vida era remediável. Bastavam algumas ordens para que tudo ficasse como eu desejasse. Mas, pela primeira vez em toda a minha vida, eu não sabia o que fazer.

Minha mãe se aproximou, provavelmente notando o desespero em meu rosto. Eu não queira que ela me tocasse. Eu não queria que ninguém mais me tocasse. Aquela mulher me tocou e agora eu estava me sentindo daquela forma.

- Calma, querida. – Minha mãe ergueu a mão em direção ao meu rosto. Eu não queria que ela me tocasse, eu sentia que não deveria deixar que ela me tocasse. – Vai ficar tudo bem.

O desespero cresceu como uma chama se inflando em meu peito. Como uma última alternativa para que ela não me tocasse, levantei minha própria mão, para barrar a sua. Durante o meu movimento, eu senti uma brisa acompanhar a minha mão, muito mais forte do que o normal. Aquela sensação maravilhosa voltou a me aquecer por um momento. Quase fechei os olhos, apenas para poder guardar aquela sensação dentro de mim, mas um grito de terror me fez voltar a realidade.

Minha mãe tinha se jogado para trás e estava caída logo a minha frente, onde meu pai a amparava. Ela segurava sua mão junto ao peito como se algo estivesse errado. Meu pai pediu para ela soltar a mão e todos suspiraram com medo e perplexidade, desviando seus olhares da mão de minha mãe para o meu rosto petrificado.

Havia um corte enorme em sua mão. Exatamente a mão que tinha tentado tocar o meu rosto. O sangue havia começado a escorrer, manchado o seu vestido e o chão do meu quarto. Olhei para minhas próprias mãos e elas tremiam, assim como o resto do meu corpo.  Não sabia como aquilo tinha acontecido.

- Mãe... – Eu me aproximei, para tentar entender o que estava havendo, mas ela gritou apavorada, o que me fez recuar. O olhar de meu pai me cortava ao meio, e, mesmo enquanto se levantava, não deixou de me encarar em nenhum momento.

- Quem é você? – Ele perguntou, e eu não consegui entender sua pergunta. – O que fez com a minha filha?

Ele gritou a última pergunta, o que me fez recuar mais um passo. Eu senti o batente da janela em minhas costas e as lágrimas transbordando em meus olhos.

- Papai, sou eu. – Mal conseguia articular minhas palavras. – Sou a Cecília, a princesa. Sua filha.

- Você não é minha filha. – Ele ajudou minha mãe a se levantar e foi em direção a porta. Eu pude ver os guardas de prontidão do outro lado. – Mas vai confessar o que fez com ela, sua amaldiçoada.

Amaldiçoada? Eu não era uma daquelas mulheres amaldiçoadas. Como meu pai poderia dizer algo assim? Como ele podia não ver que eu estava ali, bem à sua frente?

Eu queria seguir meus pais, mas, assim que eles saíram do quarto, os guardas entraram. Nenhuma reverência ou pedido de desculpas foi feito. Eles simplesmente invadiram o quarto da princesa sem nenhuma cerimônia, por ordens do Rei.

Por ordens do rei, por ordens de meu próprio pai.

Aquilo não poderia estar acontecendo. Eles se aproximavam cada vez mais, mas com cautela. O medo era evidente em seus olhos. Eu estava acostumada a ver meus serviçais com o olhar demonstrando medo, mas não com aquela intensidade. Eles tinham medo de que, o que quer que tenha acontecido com a minha mãe, acontecesse com eles também.

Eu não era uma amaldiçoada. Era a princesa, a filha do Rei, futura herdeira daquele castelo. Meu medo começava a se transformar em frustração e raiva.

- Parem imediatamente! O que pensam que vocês estão fazendo? Eu sou a princesa. Não ousem dar mais nenhum passo.

Mas nenhuma das minhas palavras pareciam estar sendo ouvidas. Eles continuavam avançando, apesar do medo os deixar cada vez mais lentos. Meus gritos só serviram para causar um tremor a mais em suas ações, mas eles estavam dispostos a seguir em frente.

Eu sabia exatamente qual era o destino de uma amaldiçoada. Meu corpo se agitou só de pensar no que poderia acontecer. Eu não era uma daquelas mulheres. Eu era a princesa, a filha do rei. Mas eles não iriam me ouvir. Eu teria que provar que estava falando a verdade.

Mas, se eles me pegassem, seria tarde demais.

A passagem até a porta estava completamente intransponível. Havia guardas e empregados por todos os lados. Eu me afastei o máximo que pude, mas só havia a janela atrás de mim.

Olhei disfarçadamente, tentando medir a altura. Estava no segundo andar, poderia me machucar. Mas nada me machucaria mais do que o destino que estaria me esperando caso eles me pegassem.

Nunca fui de pensar muito em meus atos, mas nunca tive tanto medo de algo antes. Tentei agir sem pensar novamente. Pensar só me faria ser pega.

Girei o corpo e, tentando não pensar no que poderia acontecer,
passei uma perna por cima da janela,
ouvi o grito de um dos guardas
e pulei.

6 comentários:

  1. AI SOCORRO hdhdiuidu tinha que terminar assim? aff posta logo o próximo capítulo! hahahah beijos jana!

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    1. hehehe, calma, próximo sábado já tem um novo capítulo :D
      Obrigada por acompanhar <3
      Beijos!!!

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  2. Oiiii
    Agora ela começa e aprender uma lição!!!
    Louca pela continuação.
    Bjs

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    1. Esse é só o começo... hehehe
      Tenho até pena dela :D
      Beijos!!!

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  3. Meu deus come ela é sem sorte e pensa que pode fazer como quer tudo to com raiva dela desde a primeira parte.

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    1. As coisas vão começar a ficar bem feias para ela a partir de agora... hehehe
      Beijos!!!

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