A PRINCESA DOS VENTOS (PARTE 14 - Final)

| 27 fevereiro 2016 |



Ninguém se lembra como é respirar pela primeira vez. Aquele choro desesperado de quem perdeu toda a segurança que conhecia e estava prestes a encarar um mundo novo. Eu também não me lembrava de como era, mas achava que podia ser bem próximo ao que eu estava sentindo nesse momento.

Puxei o ar para dentro de meus pulmões várias vezes seguidas, me deliciando com aquela sensação. Meus olhos fechados permitiam que eu me concentrasse em coisas muito mais simples e puras.

Eu sentia o ar percorrer os meus braços nus e balançar os meus cabelos. Aquilo ela reconfortante. Poderia ficar naquela posição para sempre, apenas desfrutando da dádiva que era estar viva.

- Uma hora você terá que abrir os olhos, minha filha.

Em qualquer outro momento, uma voz surgindo ao meu lado teria me sobressaltado, mas a paz que eu sentia era tamanha, que nada poderia me assustar. Era como se nada de mal pudesse me acontecer naquele lugar, onde quer que eu estivesse.

Aquela primeira dúvida pareceu ser o estopim que meu cérebro precisava para acordar. Continuei sentindo o conforto de antes, mas agora tudo o que aconteceu parecia vivo na minha mente. Várias perguntas me percorriam nesse momento, mas abrir os olhos provavelmente era a melhor forma de começar a responder algumas delas.

Um vendaval de cores. Essa foi a primeira coisa que passou pela minha mente. Eu estava deitada, em algum lugar que não tinha absolutamente nada, ao mesmo tempo em que estava lotado de emoções.

Era como se o vento pudesse ser visto, colorindo o ar de maneira consciente. Cores e mais cores circulavam ao meu redor, tocavam o meu corpo e traziam aquela sensação de tranquilidade que eu estava sentindo. Comecei a rir feito uma criança com a beleza que se seguia a minha frente. Não precisava desviar o olhar para ser deslumbrada com aquelas imagens, mas um riso ao meu lado me fez procurar pela dona daquela voz.

Tive que olhar por algum tempo até ter realmente certeza do que estava vendo. Era como se o ar, com todas as suas cores e formas, ali fosse mais compacto e sólido. Só quando minha mente aceitou entender o que eu estava vendo, que um primeiro suspiro de surpresa escapou da minha garganta.

- Não precisa se preocupar. Eu estava esperando por você.

Eu não estava preocupada, eu estava paralisada de tanta admiração. Aquele era o ser mais majestoso que eu já tinha visto. Senti meus olhos encherem de lágrimas devido ao tamanho da minha emoção.

Bem a minha frente estava o ser mais lindo que eu já tinha visto. Era claramente uma mulher, envolta em cores e brilho. Sua pele era delicada como o vento. A medida que ela se movimentava, eu enxergava melhor a sua forma. Era como o mais caro e delicado dos tecidos se movendo ao seu bel prazer. Seu corpo inteiro parecia reluzir da mesma forma. O vento entrava e saia de seu corpo como se ela, e todo aquele lugar, fossem um só.

Só percebi que ela estava agachada ao meu lado, quando se levantou. Envergonhada de continuar deitada, também suspendi meu corpo. Ele estava leve como nunca. O vento e suas cores se agitavam ao meu redor como um cachorrinho em busca de seu dono.

- Onde eu estou? – Perguntei, as dúvidas começando a encher minha mente.

- Você está em casa, minha filha. Seja bem-vinda.

Ela sorriu novamente e eu respondi da mesma forma. Não entendia o que ela queria dizer, mas não conseguia sentir nada por aquele ser que não aquecesse meu coração.

- Sei que você deve ter muitas perguntas. Eu não trago aqui todas as minhas filhas. Muitas delas conseguem descobrir sozinhas qual o seu destino. Outras, eu preciso guiá-las mais de perto.

- Quem é você?

- Você sabe quem eu sou. O seu coração estava esperando por esse momento, mesmo que não tivesse se dado conta disso.

Ela tinha razão. Eu sabia quem ela era. Soube desde o momento em que senti aquela sensação maravilhosa como nunca em sua presença.

- Você é a Deusa dos Ventos.

Ela sorriu confirmando, mas em seguida seu sorriso sumiu, dando lugar a um olhar de preocupação. Meu coração se contraiu, não querendo ver nada em seu rosto que não fosse alegria, mas não sabia como ajudar.

- Você pensa que é uma amaldiçoada. – Seu olhar parecia triste e desapontado. Eu não queria que ela me olhasse daquela forma, mas não podia mentir.

- Você não sabe o que eu fiz. Eu sou um monstro.

Eu não podia mais olhar em seus olhos, não agora que confessaria todos os meus pecados. A vergonha de ser alguém tão vil começou a percorrer as minhas veias.

- Você está enganada, Cecília. Eu sei tudo o que acontece na sua vida.

Levantei os olhos alarmada, pensando encontrar algo ainda pior naquele olhar, mas vi, para minha felicidade, um sorriso divertido.

- Não precisa se preocupar. Não estou aqui para julgá-la, estou aqui apenas para lhe dar um conselho.

 - Um conselho? – Perguntei, sem entender como tudo aquilo podia se resumir a um conselho.

- É, apenas um conselho. – Ela olhou para cima e continuou a falar. – Tudo o que acontece em nossas vidas é resultado das nossas escolhas. Você sabe que já fez muitas escolhas erradas em sua vida, mas o que importa é que agora decidiu fazer boas escolhas.

Era verdade, eu tinha decidido. Mas talvez fosse um pouco tarde para isso.

- Se você escolher ser uma amaldiçoada, então acontecerá aquilo que você fez com os guardas, repetidas vezes, até que seu coração esteja completamente destruído e não sobre nada para que você siga em frente. Mas, você pode escolher encarar o seu poder como um dom, e poderá salvar muitas pessoas, assim como você fez com Alex. Esse poder nasceu com você, minha filha, e estará sempre com você. O que você vai fazer com ele, só depende das suas escolhas.

Se eu tivesse alguma dúvida de que palavras pudessem aquecer o coração, ela teria se desvanecido naquele momento. Fechei os olhos, apenas para sentir aquela sensação maravilhosa dentro de mim. Aquele poder que sempre esteve comigo, mas eu era egoísta demais para que ele aflorasse. Quando isso aconteceu, eu não era a pessoa certa para ele. Ao invés de tratá-lo como parte de mim, eu preferi repudiá-lo, e isso só trouxe infelicidade e destruição.

Agora eu tinha plena consciência do que eu deveria fazer.

Abri os olhos, para compartilhar as minhas descobertas, mas não foi a Deusa dos Ventos que eu encontrei a minha frente.

O olhar assustado de Alex, percebendo que eu tinha ficado entre ele e aqueles homens, que estavam tentando nos matar, era algo que eu nunca esqueceria. O medo era perceptível, mas havia algo mais ali, algo que encheu meu coração de esperança.

Eu toquei seu rosto, tentando acalmá-lo e, sem medo, me virei para os homens ao nosso redor. Só aquilo, um leve rodopiar, foi necessário para que eles voassem a alguns metros de distância. Alex ofegou, pensando que seria uma repetição do horror que ele tinha visto. Mas eu estava tranquila.

Puxei sua mão em direção ao cavalo, quando os homens começaram a se mexer, sem entender o que tinha acontecido. Alex suspirou de alívio e sorriu para mim. Puxei o seu corpo em direção ao meu, ansiando poder, finalmente, tocar os seus lábios e corresponder a algo que eu sei que existia entre nós.

Eu estava tão bem, tão feliz, que tinha certeza que mais ninguém seria ferido. Não pelas minhas mãos. Eu era uma das filhas da Deusa dos Ventos e tinha um trabalho a fazer.

Iria encontrar meus pais e convencê-los de que nós não erámos uma ameaça. Iria honrar a minha Deusa poupando suas filhas de uma vida de reclusão e punições. Iria ser uma Princesa de verdade, alguém que realmente olha pelo seu povo. E iria ser uma mulher amada com um grande dom, que eu nunca mais renegaria.

Quando Alex subiu no cavalo e me puxou para junto de si, eu sabia que não estava mais sozinha e que não era a pessoa que havia deixado aquele lugar assustada e infeliz.

O cavalo disparou em direção aos portões. Eu não sabia o que aconteceria, mas estava tranquila. Aquele sentimento bom dentro de mim não iria mais embora. Deitei minha cabeça no peito de Alex, sabendo que tudo seria diferente, porque eu era uma pessoa diferente e tinha alguém ao meu lado que faria toda a diferença.

Sai do castelo muito mais tranquila do que da última vez. A estrada estava a minha frente e eu sabia qual caminho tinha que seguir.

FIM 

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