A PRINCESA DOS VENTOS (PARTE 5)

| 19 setembro 2015 |

Andei durante horas, até minhas pernas não aguentarem mais sustentar o meu corpo. Era quase inacreditável que aquela mulher conseguisse percorrer toda aquela distância carregando tanta comida. Me agachei próxima a uma árvore e pensei o quão tola eu havia sido. Sair impetuosamente teria sido um ato realmente digno de alguém da realeza, se ao menos houvesse alguém para ver aquela cena. Se eu tivesse sido mais inteligente, teria pegado um pouco de comida e algumas roupas. Meu estômago roncava como nunca e minha veste de dormir estava em um estado lastimável.

Eu sabia que aquele seria o meu fim. Eu nunca conseguiria sair daquela floresta. Não tinha o que comer e nem forças para seguir a trilha deixada por aquela amaldiçoada, mas era quase como se eu já tivesse me conformado com aquela situação. O desespero que eu pensei que sentiria não apareceu, então eu resolvi me encostar naquela árvore e fechar os olhos. Se algo surgisse enquanto eu não estivesse prestando atenção, talvez fosse bom, alguma forma de acabar com todo aquele sofrimento mais rapidamente.

Claro que aquela conformidade com o meu fim se extinguiu no mesmo instante em que eu ouvi um barulho muito característico. Olhei ao meu redor, tentando encontrar a fonte do barulho, mas as árvores impediam muito da minha visão. Usei toda a força que eu pude encontrar para me por de pé, e segui em direção ao som.

Bem perto de onde eu estava, a floresta terminava bruscamente, como se tivesse sido arrancada dali a força, e provavelmente tinha sido. Uma perfeita estrada serpenteava a minha frente, e uma cavalaria inteira passava por ela.

Ás arvores eram a única barreira entre mim e aqueles homens que eu reconheceria em qualquer lugar. Todos eles portavam escudos do Reino de meu pai, do meu Reino. Tive que usar todas as minhas forças para não correr em direção a eles para pedir ajuda. Não sabia se o Rei os havia enviado em meu auxílio, ou se ele ainda pensava que eu era uma amaldiçoada.

Quando todo o pelotão passou a minha frente, decidi tomar o caminho contrário, apenas por precaução. Independente da direção, aquela estrada haveria de me levar a algum lugar.

Felizmente, não precisei andar por muito tempo. Não teria forças para isso. Uma pequena aldeia logo apareceu a minha frente. Eu já tinha passado por muitas aldeias em meu Reino, mas nunca prestei muita atenção em nenhuma delas. Sempre dentro de carruagens luxuosas, cercada por soldados do Rei, eu percebia que aqueles lugares eram pobres, mas nunca cheguei a realmente ver o quão miseráveis eles eram.

Havia algo como um mercado ao ar livre, com produtos nada atrativos e pessoas negociando infinitamente para conseguir comprar algo para comer. Poucas pessoas pareciam ter algum dinheiro, ou se vestiam de forma um pouco mais digna.

Várias construções se embaralhavam umas ao lado das outras, mas pareciam todas feitas do mesmo material da cabana que eu havia deixado no meio da floresta. Algumas estavam com as portas escancaradas, e pareciam também ser algum tipo de comercio, outras estavam fechadas, talvez por serem apenas um lugar para as pessoas viverem.

Era muito estranho andar em meio àquela gente e não ser reconhecida. Eu era a Princesa daquele Reino, mas ninguém parecia ter consciência disso. Ao avistar um grande barril com água, entendi exatamente o motivo. Meu reflexo era a coisa mais pavorosa que eu já tinha visto. Meus cabelos, sempre tão vivos, brilhantes e bem arrumados, pareciam tão emaranhados a ponto de nunca mais ser possível penteá-los. Minha pele estava encardida, e parecia que tinha terra entranhada com todas as partes do meu corpo, porém, eu não era a única pessoa naquela situação. Vários outros indivíduos estavam em um estado tão ruim ou pior que o meu, então ninguém olhava mais do que uma vez em minha direção. Minhas vestes de dormir, ao menos eram longas, cobriam minhas pernas e braços completamente, o que era melhor do que a situação de muitos por ali.

Tudo o que eu precisava naquele momento era de algo para comer. Aquele vazio no meu estômago era algo sem precedentes. Mesmo aquela comida de aparência suspeita, vendida nas barracas na rua, começava a se mostrar mais desejável do que eu poderia imaginar. Eu não sabia o que fazer. Não tinha nada comigo, nem uma moeda que fosse, e não podia revelar as minhas origens a ninguém, não poderia confiar em ninguém.

Me afastei de onde estava a maior parte da multidão e adentrei mais o vilarejo. Cheguei a um lugar um pouco mais vazio, com menos pessoas, mas com algumas lojas abertas. Talvez ali fosse mais fácil conversar com alguém sobre a minha situação.

Escolhi o lugar mais afastado. Parecia ser algo que eu só tinha ouvido falar no Palácio. Um lugar onde homens se encontram para beber durante a noite, e realmente só havia homens ali dentro, apesar de poucos. A aparência deles era um pouco melhor do que das pessoas na parte mais movimentada do vilarejo e todos estavam sentados em mesas, comendo uma refeição que fez com que minha boca se enchesse de água.

Entrei mais um pouco, seguindo em direção ao balcão, quando ouvi um grito as minhas costas.

- O que você está fazendo aqui?

Congelei no lugar em que eu estava. Será que alguém havia me reconhecido?

Comecei a virar devagar, mas uma mão me puxou bruscamente pelo braço, em direção a saída. Quando chegamos a porta, simplesmente fui empurrada e, sem consegui me equilibrar, simplesmente desabei no chão repleto de sujeira.

- Esse lugar não é para gente da sua laia! Nunca mais ouse colocar seus pés imundos aqui dentro!

Era um homem robusto, de aparência severa, mas não era nada mais do que provavelmente o dono daquele lugarzinho medíocre. Eu nunca quis tanto ter minha vida de volta. Eu não podia enfrentar aquele homem, eu não tinha esse direito, não na situação em que eu me encontrava. Eu senti que começaria a chorar a qualquer momento, de raiva, medo, frustração, quando alguém colocou as mãos em meus braços e me ergueu do chão.

Virei para ver quem seria a primeira pessoa a me tratar com o mínimo de respeito que alguém da minha classe merece, quando me deparei com os olhos mais lindos que eu já tinha visto em minha vida. E não eram apenas os olhos, seu rosto era perfeito, sua boca parecia ter sido esculpida como o mármore quando está pronto para forjar uma estátua. Seus cabelos brilhavam e se mexiam de acordo com o vento. Nenhum príncipe chegava aos pés do homem a minha frente.

Pela primeira vez, realmente senti vergonha da minha aparência. Eu sempre sonhei com o meu casamento, com a festa monumental que eu teria, com a vida de luxo e riquezas que me esperava, mas a pessoa que estaria ao meu lado nunca possuiu um rosto. Até esse momento.

- Você está bem?

Apenas consegui assentir com a cabeça. Coloquei os braços na frente do corpo e abaixei os olhos. Não queria que aquele homem me visse daquele jeito. Queria que ele me visse linda, como uma princesa.

Olhando para baixo, percebi que ele estava vestindo uma longa capa, além de luvas. A única parte descoberta de seu corpo era realmente o rosto, mas um capuz jogado para trás resolveria esse problema rapidamente.

Ele puxou para frente uma bolsa que estava ao seu lado, tirou um pacote marrom e me entregou. Eu peguei sem saber o que ele queria dizer com aquilo, sua expressão não era amistosa, mas, não pensei em mais nada ao ver o que tinha ali dentro. Aquele era o pedaço de pão mais perfeito que eu já tinha visto em minha vida. Sem nem ao menos pensar em agradecer, eu comecei a devorar aquilo como uma selvagem. A etiqueta a mesa era algo que eu aprendi desde cedo. Eu sabia me comportar perfeitamente como uma princesa em qualquer lugar, mas aprendi naquele momento que não existe princesa, não existe etiqueta e não existe Reino no mundo que possa superar a sensação de se estar com fome.

Quando terminei de comer, mais rápido do que já havia comido qualquer coisa em minha vida, eu ainda estava com fome, mas o pior já havia passado. Finalmente levantei o olhar, pensando se deveria agradecer aquele estranho, mas ele me encarava de forma intensa.

Fiquei realmente com medo naquele momento. Talvez não tenha sido uma ideia realmente boa ter ido para uma parte tão deserta do vilarejo.


4 comentários:

  1. Jana!
    Esse trecho achei interessante, vou ter de voltar para ler desde o início.
    Adorei esse trechinho: "Tudo o que eu precisava naquele momento era de algo para comer. Aquele vazio no meu estômago era algo sem precedentes." = minha cara...kkkk
    “Creio no riso e nas lágrimas como antídotos contra o ódio e o terror.”(Charles Chaplin)
    cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
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    1. Que legal que você gostou :D
      Espero que curta bastante e acompanhe essa história com a gente.
      Beijos!!!

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  2. Oiii
    Ainda bem que ja tem a outra parte disponível se não morreria de ansiedade esperando a próxima parte.
    Bjs

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