RETRATO DE UMA MENTE TRANSTORNADA (PARTE 4/4)

| 06 junho 2015 |
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Depois daquele dia, nos vimos várias vezes. Sempre para “relembrar os velhos tempos”. Percebi que teria que aturar Douglas ainda por um tempo, mas aquilo já estava me irritando. Ser bonzinho com o motorista não era do meu feitio.

Eu e Paula sempre arranjávamos uma forma de ficar a sós. Nossa forma de relembrar os velhos tempos era a única coisa interessante em todo aquele circo que eu tinha armado. Porém, aqueles beijos roubados não eram mais o suficiente. Eu queria logo o meu grande prêmio.

No dia em que ela confessou que só se aproximou de Douglas porque achou que nós ainda éramos amigos, eu soube que era apenas uma questão de tempo. Eu tinha feito minhas jogadas com maestria. Nunca tinha me aproximado de uma criança, porém, era imensamente fácil encantá-las. Algumas palavras certas, vários presentes que o pai jamais poderia comprar e dedicar algum tempo a ouvir suas questões infantis, foram o suficiente para render abraços carinhosos, esses sempre supervisionados por olhares cada vez mais desejosos de uma mãe que também podia vislumbrar um futuro melhor para o seu filho.

Sem nem ao menos perceber. Eu estava louco por finalmente passar horas a sós com Paula. Tomá-la finalmente como deveria ter feito em nossa formatura. Fazê-la esquecer aqueles momentos que Douglas existiu em sua vida, porém, também não queria me afastar de Tomas. Era engraçado como crianças eram honestas. Era diferente de todo o mundo de negócios em que eu estava acostumado a viver. Se você fizesse o que era certo, elas realmente gostavam de você. E aquilo era algo que eu nunca havia sentido. Alguém gostar de você de uma forma sincera, sem realmente nenhum interesse.

Eu estava começando a me acostumar com aquela rotina. Os beijos roubados de Paula. Os abraços sinceros de Tomas. Pela primeira vez em minha vida eu pensei que aquilo fosse possível. Que talvez eu não precisasse me livrar deles após conseguir o que eu queria.

A minha forma de pensar ainda era a mesma, só o meu objetivo que havia mudado um pouco. Eu a queria, muito, como nunca quis mulher alguma, porém, não era mais apenas uma noite em minha cama. Talvez essa parte nem fosse a mais importante. Queria ela com belos vestidos, coberta de joias e completamente perfumada a noite quando eu chegasse em casa. Sem ter passado o seu dia em uma cozinha engordurada. Também queria Tomas. Eu teria a oportunidade de criar alguém que talvez um dia tomasse o meu lugar. Ele iria ter as melhores oportunidades, estudaria nas melhores escolas sem ter que se matar para isso, iria crescer sabendo que ele deveria lutar por aquilo que ele queira, porém, se espelhando em alguém bem-sucedido, alguém que ele tivesse orgulho de chamar de pai.

Só havia um problema nesse meu novo plano. A mulher que eu desejava já tinha um marido. A criança que eu queria já tinha um pai.

Apenas um homem em meu caminho.

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- Então... – Disse Carlos, dessa vez tendo uma real dificuldade com as palavras. – Você o matou?

Eu não precisava responder essa pergunta naquela situação. Era claro como água o que tinha acontecido. Meus objetivos sempre foram alcançados, não importava quais fossem os obstáculos. Ele era apenas um homem, apenas mais um homem.

- Eu não senti remorso algum quando mandei sabotarem o meu próprio carro. Eu gostava daquele carro, mas sacrifícios são necessários.

- Em que momento exatamente você sentiu remorso por matar um pai de família e um homem que já foi seu melhor amigo?

- Foi quando eles ficaram sabendo. Eu estava lá. Eu queria estar lá naquele momento para que eles soubessem que uma nova vida começaria, que eu não os deixaria sozinhos. Eu pensei que eles ficariam felizes comigo. Mas não foi o que aconteceu.

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Eu tinha que fazer de tudo para que jamais fosse envolvido no acidente. Assim, esperei a hora em que Douglas chegaria no trabalho e liguei para a sua casa. Paula me disse que ele não tinha ido até lá o dia todo.

Às vezes, eu permitia de Douglas fosse até a sua casa durante o dia, com o meu carro, como um bom amigo faria, como o bom amigo sugeriu que ele fizesse aquele dia, mesmo sabendo que ele nunca chegaria.

Paula achou muito estranho e eu me prontifiquei a ir até a sua casa. Quando cheguei, a polícia já estava presente. Tomas estava enrolado nos braços da mãe e eu não conseguia ver seu rosto. As lágrimas de Paula rolavam até o cabelo da criança, que tremia em seus braços. Nenhum dos dois pareceu perceber, ou se importar, com a minha presença. Me prontifiquei a cuidar de tudo, o que foi recebido apenas com um aceno de sua cabeça.

Talvez aquilo fosse normal. Eles teriam uma vida maravilhosa dali em diante, mas haviam perdido alguém muito próximo. Eu daria algum tempo a eles, cuidaria de tudo, estaria por perto. Seria algo tão natural que logo estariam em minha casa, sem nem ao menos perceberem.

Após o enterro, quando eu achei que Paula iria se apoiar em mim, usar meus braços como consolo, ela começou a se afastar. Era como se ela soubesse o que eu fiz e quisesse distância. Tomas vivia trancado em seu quarto. Parecia que a morte do pai tinha quebrado algo importante dentro dele, destruindo a criança alegre que ele sempre foi.

Eu tentei me reaproximar, várias e várias vezes. Já começava a me arrepender do que tinha feito. Aquela mulher cheia de vida e aquela criança que eu queria para mim, pareciam apenas sombras daquilo que eu tanto desejei. Não era possível que eles nunca fossem se recuperar, que eu não pudesse ter em minhas mãos finalmente o prêmio pelo qual eu tanto lutei.

Foi quando Paula disse que iria embora que eu percebi que tudo tinha sido em vão. Eu preferia que Douglas ainda estivesse vivo, que eu ainda pudesse desfrutar de seus beijos roubados e do carinho de Tomas, que, aparentemente, precisava se afastar de tudo que lembrasse o pai naquele momento.

- Eu estou sendo castigada pelo o que nós fizemos. – Paula me disse antes de ir embora, sem sequer um último beijo que me fizesse ansiar por mais desta vez. – Se você não tivesse aparecido nada disso teria acontecido. Eu não teria traído o meu marido e não teria sido castigada por isso.

Eu realmente havia destruído aquela mulher. Só uma pessoa fraca poderia acreditar em tamanha bobagem. Nós devemos nos culpar pelo o que acontece com nós mesmos, por aquilo que nós lutamos ou não para conseguir. Se culpar por uma tragédia completamente fora de seu alcance, não é nada mais que um sinal de fraqueza.  Ela foi embora levando consigo a mulher e a criança que eu tanto desejei, mas, que estava além do meu alcance recuperar.

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- Ela foi embora ontem.

- Entendo. – Carlos parecia quase sem fôlego. – Você vai atrás dela?

- Não. – Eu resolvi me sentar no divã, a história havia terminado, e eu não queria mais olhar para o teto e remoer o que tinha acontecido.  – Nós só podemos correr atrás daquilo que existe. Eu, infelizmente, destruí o meu objetivo. Eles não são mais a mulher e a criança que eu queria. Eu não previa que eles também iriam morrer naquele acidente, mas foi o que aconteceu.

- Você não está arrependido, então, de ter matado o seu amigo. – Ele já havia desistido de tentar esconder a sua perplexidade. – Você está arrependido de não ter mais a mulher que você queria em sua cama, e a criança que ela iria trazer consigo. Você não percebe o quanto isso é doentio?

- Me diga você, doutor. – Eu respondi me encostando no divã, adotando uma postura mais relaxada. – Eu o pago bem o suficiente para isso.

- Alan, me escute. – Carlos deixou sua prancheta de lado, e sentou-se na ponta da cadeira, para ficar mais próximo de mim. – Você precisa ir até a polícia, contar o que você fez. Você cometeu um crime gravíssimo, precisa entender que assim é o mundo, que você precisa pagar pelo o que fez.

- Eu não acredito nisso. – Eu disse me levantando. Aquela sessão estava encerrada. - Eu acredito que, infelizmente, apenas não obtive sucesso dessa vez. Lutei por algo e usei todas as armas que tinha, porém, foi uma batalha perdida, isso acontece às vezes.

Me dirigi a porta, deixando um psicólogo perplexo para trás. Suas últimas palavras voltaram a minha mente, me fazendo questionar um pouco a confidencialidade daquela sessão em particular.

Voltei alguns passos, apenas para encontrar Carlos olhando para o chão, como que decidindo o que fazer, mas eu o ajudaria nesse quesito.

- Eu acho melhor que essa conversa não deixe essa sala doutor. Nunca se sabe quando o seu carro também pode ter algum problema. O senhor sabe muito bem que eu não meço esforços para alcançar meus objetivos.

Viro as costas e dou por encerrada a nossa última sessão. Teria que encontrar outra pessoa para tentar lidar com a minha mente transtornada daquele momento em diante.

6 comentários:

  1. Olá Jana nossa estou realmente impressionada com o conto apreciei cada detalhe e amei estou cada vez mais interessada porque achei lindo mesmo adorei.

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    1. Muito obrigada, Marília!
      É realmente importante ler as opiniões de vocês <3

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  2. Uou, amei amei amei ❤ fiquei impressionada!!

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  3. Me lembrei nestante que não tinha visto o final desse conto, e agora aqui estou, perplexa. Nossa, como assim ele não sentiu um pingo de remorso? Que ódio dele, destruindo tantas vidas. O que ele sentia por Paula não era amor, e sim obsessão, e senti raiva dela também, pois tem uma pequena parcela de culpa nessa história.
    Jana, amei seu conto!! Muito bom mesmo, amei! História muito bem bolada.
    Bjão <3

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    1. Hey Dilza!

      Ele é realmente uma mente transtornada, não tinha como ser diferente... hehehe
      Obrigada por ter acompanhando esse conto. Amei ler todos os seus comentários :D

      Beijos!!!

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