Retrato de uma mente transtornada (Parte 3/4)

| 31 maio 2015 |
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Nunca me relacionei intimamente com funcionário algum, mas aquela era uma situação única, que me levaria em direção ao meu mais novo objetivo.

Os primeiros dias de Douglas como meu motorista foram irritantes, com ele achando que podia tagarelar o tempo todo suas histórias de família, mas eu não podia interromper aquele momento. Eu tinha certeza que ele achava que nós estávamos recriando os laços que tivemos um dia.

Em seu primeiro dia de folga, ele fez questão de me convidar para um almoço em sua casa.

- É claro que eu não moro em um lugar chique como você. – Ele começou, tentando fazer pouco caso, porém, como todo fracassado que conhece bem os seus fracassos, sempre quer amenizar aquilo que, no fundo, o corrói por dentro. – Mas eu adoraria que você passasse um tempo com a gente, relembrando os velhos tempos. Paula também está ansiosa para isso.

Aquelas últimas palavras eram tudo o que eu precisava ouvir. Quase sorri de satisfação com o seu comentário, deveras inocente. Eu a imaginava ouvindo do marido que havia encontrado o seu amor da adolescência. Seu coração palpitando de antecipação por revê-lo. Um homem muito mais bem sucedido do que aquele com quem ela dividia a cama todos os dias. Alguém que teria lhe dado um futuro muito melhor do que a vidinha morna que ela levava agora.

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Parei na frente de uma casa que não combinava nada com o carro que eu havia escolhido para a ocasião. Ele começou a se destoar a muitas ruas atrás, e eu com certeza também me destacaria muito naquele lugar.

Douglas não esperou nem o toque da campainha para abrir a porta. Talvez aquela fosse a única vantagem de uma casa pequena, ouvir tudo o que acontece do lado de fora.

Ele me abraçou como se ainda fossemos velhos amigos, não como se ele dependesse de mim e do trabalho que eu lhe oferecia para sobreviver. Mas eu sabia que aquele comportamento era minha culpa. Eu estava em sua casa para um almoço de domingo. É claro que ele se sentiria nesse direito. Gostaria de saber o que ele acharia da minha amizade se conhecesse minhas verdadeiras intenções. Já passei por coisas piores para alcançar meus objetivos. Aquilo seria fácil.

Até forcei um sorriso para que ele pensasse que era realmente gratificante entrar naquele lugar. A sala era minúscula, mesmo se eu comparasse apenas com o meu banheiro. Havia um garotinho sentado no sofá. Ele me encarou sem demonstrar nenhuma reação. Eu não tinha contato com crianças, mas sabia que elas tinham uma vantagem perante os adultos. Elas não fingiam nada, você tinha que realmente agradá-las para que elas demonstrassem gostar de você. Não que esse fosse meu interesse. Nossos comprimentos foram rápidos, o que não deve ter causado impressão alguma no garoto. Mas eu não me importava. Meu verdadeiro prêmio estava chegando.

Ela saiu da cozinha com um avental preso ao corpo. Eu estava acostumado a me relacionar com mulheres banhadas em joias, não com adornos de cozinha e o meu primeiro pensamento foi que ela merecia o mesmo tratamento.

O abraço que ela me ofereceu foi amistoso, mas muito menos entusiasmado que o de seu marido. Eu conhecia bem as pessoas. Para jogar certos jogos, isso era muito necessário. Ela estava constrangida pela minha presença, por mais que disfarçasse muito bem.

Fiquei muito satisfeito em ver que por baixo do avental, que ela tirou na hora de sentar a mesa, havia uma saia, que apesar de não ser tão curta, realçava os seus quadris, me fazendo imaginar como seria tirá-la. E o seu decote era tão generoso quanto eu me lembrava.

Nós almoçamos quase como velhos amigos fariam, pelo menos eu tentei me comportar como tal. Aquela era uma situação na qual eu era especialista. Lembrando os tempos de colégio, por mais que ninguém entrasse em um certo assunto em particular, nós levamos aquele almoço regado a uma comida sem graça e uma criança tentando desviar atenção para os seus próprios interesses.

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- Você foi a casa deles com a intenção de roubar a mulher daquele que um dia foi o seu melhor amigo? – Carlos mantinha sua voz tranquila, mas eu podia sentir uma certa repressão no ar. – Você não sentiu nem um pouco de culpa? Por tentar destruir uma família?

- Eu nunca quis destruir família alguma. Isso nem passou pela minha cabeça. Tudo o que eu queria era terminar o que eu tinha começado na noite da nossa formatura. Depois disso, eu nunca mais a veria. E talvez eu até tivesse demitido Douglas para riscar de uma vez por todas essa parte da minha vida.

Era um desejo, uma necessidade quase adolescente de terminar com o que ela tinha me negado aquela noite. Eu sabia o quanto isso era inconsequente, que eu poderia ter uma mulher perfeita, nesse momento se quisesse, sem o mínimo esforço. Mas, ela era um assunto não terminado, e um desafio. Duas coisas que juntas só podiam resultar em uma atração incontrolável.

- Então, você achava que ela ainda te amava? Que ela não amava o marido, portanto aceitaria traí-lo por sua causa?

- Eu não sei se ela me amava. Eu não tenho certeza nem se ela amava aquele marido fracassado. Só existe um homem nesse mundo que eu tenho certeza que tinha todo o seu amor, e toda a sua atenção.

Eu era um bom observador. Perceber isso foi a minha primeira cartada para o grande final.

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Ela podia estar nervosa, não olhava muito em meus olhos, mas havia algo naquela mesa que tinha realmente a sua atenção. Quando Paula olhava para o filho era como se um brilho fosse colocado no lugar onde estava a sua cautela.

O almoço terminou e sentamos na sala para continuar a grande conversa. Já estava começando a me irritar por ainda não ter imaginado uma forma de ficar a sós com ela. Tomas estava em seu colo, sendo acariciado como um cachorrinho pequeno. Mesmo Douglas recebia dela um olhar mais carinhoso quando fazia algum tipo de brincadeira com o filho. Eu sabia que era exatamente ali que estaria o meu trunfo se quisesse alcançar a vitoria.

Perguntei sobre a sua escola. Me mostrei interessado em sua fala infantil sem fundamento. Pude perceber que ela me olhava já de outra forma. Alguns pais agiam como se uma pessoa não gostasse de seus filhos, eles também não deviam gostar, mas, se uma pessoa os amasse...

Acabamos os quatro no minúsculo quintal atrás da casa, onde uma máquina de lavar dividia o espaço com roupas penduradas e uma trave improvisada. Nós chutávamos para que Tomas defendesse as bolas. Paula logo entrou, dizendo que iria limpar a louça do almoço e eu esperei um tempo que julguei necessário para parecer acima de qualquer suspeita. Dizendo que precisava ir ao banheiro, fui direto para a cozinha.

Ela estava encostada na pia, olhando para o seu interior, como que imaginando como aquela louça havia surgido, sem indício algum de que iria começar o seu trabalho. Sorrateiramente eu toquei em seu ombro e ela se virou assustada.

- Alan... – Ela disse sem fôlego, como se tivesse corrido uma maratona. – Você me assustou.

- Me desculpe. – Eu respondi, sem dar um passo sequer para trás. Nós estávamos próximos, e tudo o que eu queria era terminar com aquela distância, terminar com tudo aquilo que, mesmo sem saber, estava a anos me corroendo.

Eu toquei seu rosto, e ela pareceu parar de respirar, o que me fez sorrir por dentro. Não seria tão complicado quanto eu imaginava.

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- Era óbvio que ela queria aquilo tanto quanto eu. Mas as pessoas resistem aos seus desejos por razões morais absurdas.

- O que você iria fazer? – Perguntou Carlos, tentando tirar a repreensão de sua voz, eu percebi. – Transar com ela na cozinha de sua casa com o filho e o marido no quintal?

Não pude deixar de rir um pouco dessa vez. Eu tinha acabado de falar de moralidade. Não que eu me importasse com isso, mas não iria querer ser interrompido por uma criança chorando ou um marido traído.

- É claro que não. Mas eu percebi que tudo seria fácil. E realmente foi.


6 comentários:

  1. Como assim terminou desse jeito? *_* Quero a próxima parte logo, quero saber se a Paula vai trair o marido ou não e no que isso vai dar.
    Amei!! Um abraço, Jana!

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    Respostas
    1. Que bom que você está gostando e obrigada por compartilhar isso comigo <3 <3 <3
      No próximo sábado eu vou publicar a última parte e todos os mistérios serão solucionados :D

      Beijos!!!

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