“Você sempre estará em
meu coração. Não importa o que aconteça.”
Aquelas foram as suas últimas palavras, entalhadas sem vida
em um papel vazio. Vazio de cor, vazio de vida, tão vazio quanto meu espírito
naquele momento. Palavras jogadas apenas para serem levadas pelo vento.
Como ela poderia escrever aquelas palavras se estava
me abandonando? Se depois de tudo o que nós passamos juntos eu teria
que enfrentar sozinho o mundo, mesmo depois dela ter prometido que estaria
sempre ao meu lado.
Que caminhos foram esses que nós tomamos que nos levaram a
uma separação tão imprevisível?
Sempre que imaginei meu futuro, era ela quem estava ao meu
lado, assim como no dia em que nos conhecemos. O momento de maior dor de nossas
vidas.
Ela estava sozinha, nervosa, parecendo que iria chorar
por não ter ninguém ao seu lado. Eu também estava sozinho,
lidando como podia com a minha própria dor. Era noite de Ano Novo. Todos
felizes, comemorando e se enchendo de esperança por um ano que
seria fantástico, a tradicional esperança que acompanha todo fim de
ano.
Para mim, aquela noite começaria e terminaria em meio à tragédia
e a dor. Mas, eu não estava sozinho. Aquela estranha, de vestido prateado,
que outrora devia ter idealizado há essa hora estar fazendo sua
contagem regressiva, cheia de alegria, estava agora ao meu lado, no frio saguão
de uma delegacia, esperando a sua vez, tentando não sucumbir às lágrimas
que iriam trazer à tona a dor que ambos estávamos sentindo.
Quando nossos caminhos se cruzaram, não poderia ter
sido pior.
Laura estava ao meu lado, no banco da frente. Ainda era
muito cedo para ter loucos bêbados àquela hora na rua, pelo
menos era o que eu pensava. Como eu me culpava por estar tão errado. Eu estava
feliz, sossegado, dirigindo calmamente em direção à casa dos meus
pais, onde comemoraríamos o ano novo, exatamente quando um
motorista bêbado entrou na pista ao lado, na contramão. O carro que
vinha em sua direção virou bruscamente, apenas para não acertar
o bêbado enlouquecido, invadindo a nossa pista, mas, o nosso carro
estava exatamente em sua direção. Ele acertou o lugar em que Laura estava. Não
houve tempo nem de levá-la ao hospital.
O motorista do carro que tentou desviar também ficou gravemente
ferido, mas foi levado para o hospital. Nós estávamos na delegacia
quando ela recebeu a noticia. Vários termos médicos incompreensíveis que
queriam dizer uma única verdade incompreensível para qualquer ser humano.
Ela balançou a cabeça compreendendo, mas sem conseguir
assimilar o tamanho da tragédia. Eu pude entender que era seu pai que estava ao
seu lado. Aquele que bateu diretamente em minha Laura. Eu sabia que culpa não
era dele, era do louco bêbado que fugiu e até agora não tinha sido encontrado,
mas, por um momento de pura raiva, eu pensei que ele mereceu o que tinha lhe acontecido.
O olhar dela ficou fixo durante muito tempo em uma parede,
até que o muro que ela tinha erguido a sua volta finalmente se rachou, e suas
lágrimas começaram a desabar sem resistência.
Aquele era um lugar frio e insensível, em que provavelmente todos
estavam acostumados com lágrimas alheias, portanto, não se importariam com mais
uma jovem que perdeu alguém da família chorando. Alguém que provavelmente só
estava estragando ainda mais sua noite de ano novo, portanto, eu era o único
que restava. Além disso, se envolver com a dor de outra pessoa, talvez fizesse
com que eu esquecesse um pouco da minha.
Ela não se importou que eu a abraçasse, na verdade, aquilo
parecia ser tudo o que ela precisava naquele momento, e eu pude fingir, mesmo
que por uma fração de segundo, que era a minha Laura que estava novamente ao meu
lado, e que tudo estava bem.
Após esse dia, nós compartilhamos as nossas tristezas, o que
por alguns momentos pareceu diminuir aquela enorme dor, mas também começamos a
compartilhar as alegrias. Foram tantos momentos maravilhosos, que pareciam ser
completamente corretos, mas nunca perfeitos. Eles sempre eram ofuscados pela
lembrança do momento que nos uniu.
Era como uma sombra pairando sobre nós. Ela sempre dizia que
me amava, mas que estar comigo era sempre ter que se lembrar do que tinha
acontecido. Sempre sentir como se nunca pudesse deixar aquele dia para trás.
Eu deveria ter visto o que estava acontecendo. Ela estava
cada vez mais triste. Olhava em minha direção e seus olhos se enchiam de lágrimas.
Dizia que me amava, me abraçava, e eu enxugava o seu pranto.
Eu deveria ter previsto que tudo levaria a isso, e agora, eu
estou novamente sozinho.
“Você sempre estará em
meu coração. Não importa o que aconteça.”
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