Fale!

| 17 outubro 2020 |

Autora: Laurie Halse Anderson
Editora: Valentina
Adquira o seu exemplar: Submarino, Americanas, Livraria Cultura

Melinda chamou a polícia durante uma festa dos alunos de sua escola. Agora, aquela menina divertida e cheia de amigos era uma excluída. Alguém que só servia para chacota e humilhações. Seus pais eram omissos e a maioria dos seus professores não se importava. Melinda passa muito tempo dentro de sua mente analisando todos ao seu redor, e tentando esquecer o que lhe aconteceu na festa. Ninguém nunca lhe perguntou, ninguém nunca quis saber e Melinda seguia cada vez mais calada, cada vez mais sozinha, cada vez com mais medo.

A autora dessa obra espetacular, Laurie Halse Anderson, escreveu sobre um tema intenso de forma muito peculiar. O livro, narrado todo do ponto de vista de Melinda, tem um tom tão destoante do que encontramos em outros livros em que o tema também é o estupro que, em muitos momentos, nos vemos rindo de sua nova forma de ver o mundo após a violência sofrida.

Melinda está totalmente destruída. Estar dentro de sua mente é acompanhar todas as formas de escape que ela tenta encontrar para superar, ou pelo menos continuar sobrevivendo, após o que aconteceu na noite que mudou a sua vida. Seus relatos sobre seus colegas, professores, pais e sua luta por tentar passar despercebida por todos eles, quase nos faz esquecer de seu sofrimento, o que eu acho que a autora fez de forma totalmente proposital.

A autora narra a luta da personagem em esquecer o que aconteceu, não enfatizando sua dor em alguns momentos. Tudo parece estar quase bem, até surgir uma lágrima. Tudo parece estar quase bem, até ela não conseguir dormir. Tudo parece estar quase bem, até ela começar a morder os lábios. Tudo parece estar quase bem, até não estar mais, até ela encontrar a personificação de seu maior pesadelo, até ela finalmente ter que lidar com a forma brutal com a qual ela foi tratada na festa.

Impossível ler esse livro e não sentir raiva de absolutamente todos ao redor de Melinda. Nós não chegamos a conhecer a fase de adolescente normal e feliz da personagem, pois a narrativa tem início após a fatídica festa, porém, ela deixa bem claro que não era essa menina fechada, reclusa e apavorada que agora se apresentava para o mundo.

Como é possível que os pais notem, mas não façam nada perante uma mudança radical no comportamento e notas da única filha? As "amigas" que antes faziam parte da sua turma, por mais que sentissem necessidade de não perder a popularidade em andar com uma "pária" do colégio, não quiseram nem perguntar a Melinda o que havia acontecido, não na festa para ela chamar a polícia, mas na sua vida, para que as suas atitudes estivessem tão diferentes? Tantos professores, que só pensam em seus umbigos e não conseguem ver que bem à sua frente existe uma aluna gritando por ajuda? Alguém que era uma aluna de notas altas, não poderia mudar tão drasticamente, sem que houvesse um real motivo...

Por outro lado, temos o professor de artes Freeman. Aparentemente, ele também não se importa com os seus alunos, porém, ao acompanhar o desenrolar do seu comportamento durante as páginas, vemos que ele tem um jeito bem único de tentar fazer Melinda desabrochar, ou, criar raízes, crescer e florescer, como a árvore que ela passou o ano todo desenvolver nessa aula. Ele pode não ser o psicólogo que ela merecia, mas, do seu jeito, a ajudou a ver que poderia recuperar a vida que ela achava que tinha perdido naquela noite.

É revoltante ler esse livro, mas, também temos que lembrar que só vemos o ponto de vista de Melinda. Não sabemos realmente o que as pessoas a sua volta estão pensando, quais são as suas preocupações e se simplesmente não sabem como ajudá-la. Seria fantástico poder acompanhar também os pensamentos dos pais, amigos e professores. Não sei se para entendê-los ou odiá-los ainda mais, porém, seria interessante.

Uma narrativa única sobre estupro e as consequências na vida de uma adolescente. "Fale!" vai te enganar em muitos momentos, assim como Melinda, porém, não se engane, a personagem tem pensamentos aleatórios, muitas vezes até engraçados, apenas para fugir da sua dor, até finalmente ter coragem de levantar e lutar. Esse livro nos ensina a não abaixar a cabeça, a entender quem é a verdadeira vítima, e que essa pessoa tem que falar, falar, falar... até ser realmente ouvida. 

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