A PRINCESA DOS VENTOS (PARTE 9)

| 23 janeiro 2016 |

A primeira coisa que me chamou a atenção foram as crianças. Elas eram as principais responsáveis pelo barulho que eu ouvi ao começar a descer a escadaria. Nós aparecemos em um largo salão, cercado por uma infinidade de portas. Era quase impossível de imaginar que algo daquele tamanho pudesse existir debaixo da terra.

Elas brincavam e se divertiam, sob a supervisão de alguns adultos. Suas roupas eram simples, mas bem cuidadas e ninguém ali parecia estar passando alguma necessidade. Olhei aquilo durante algum tempo, sem entender realmente o que estava acontecendo e Alex pareceu perceber minha expressão de dúvida.

- Nós aceitamos qualquer pessoa no abrigo, mas as crianças são a nossa prioridade. É claro que não temos como trazer todos os pobres para viverem aqui, mas crianças são sempre trazidas, nunca abandonadas. Elas são muito pequenas para se virarem sozinhas.

Eu quase não podia acreditar no que estava vendo. Então era naquilo que Alex e seus companheiros de assuntos ilícitos investiam todo o dinheiro dos roubos. Eles simplesmente tiravam pessoas pobres das ruas, principalmente crianças, e lhes davam um lar.

Quase ri por um instante, achando tudo aquilo ridículo, me lembrando de uma história que um dia minha mãe, ou alguma criada, deve ter me contado antes de dormir, mas o sorriso morreu em meus lábios, quando eu percebi que, se não fosse por Alex, eu não fazia ideia do que teria acontecido comigo.

Nunca dei valor a coisas pequenas em minha vida, coisas que sempre tive. Nunca senti fome, então era irônico pensar que um pão talvez tenha sido a melhor refeição que já tive em minha vida. Nunca dormi ao relento, e a cama que Alex me cedeu tão generosamente havia acolhido meu corpo cansado e me deixado repousar longe daquele pesadelo que havia se tornado minha vida.

Saber realmente como era não ter nada, trouxe um gosto amargo para a minha boca. Quantas vezes eu tinha passado, em carruagens luxuosas, cercada de guardas, com todo o conforto, por vilarejos ainda mais pobres do que aquele. Eu sentia nojo da imundice e da situação daquele povo. Só conseguia pensar no que outros Reinos pensariam em encontrar aquele tipo de gente vivendo no Reino de meu pai. Nunca parei para pensar, nem por um instante sequer, no que qualquer uma daquelas pessoas estaria sentindo.

Como deve ser viver sem um abrigo, sem comida, com apenas a esperança de ser encontrada por um benfeitor que te leve para um lugar seguro? Minha esperança nunca foi vir para esse lugar, um lugar que eu nem sabia que existia, mas meu sonho parece tão distante em meio a necessidades mais básicas. Necessidades de um povo que nasceu com tão menos que eu, e que sonha com tão menos também.

A necessidade de um povo que foi abandonado a sua própria sorte. E é esse pensamento que faz com que algo estale em minha mente. Abandonados por quem? Quem deveria cuidar desse povo? Do meu povo?

Um povo que me envergonhava por pertencer ao meu Reino, pela sua pobreza e miséria, agora me fazia pensar que eu talvez não merecesse tanto luxo, ou um vestido bonito, quando tudo o que aquelas pessoas precisavam era de um pedaço de pão.

Uma lágrima escorreu pelo meu rosto e eu sabia o motivo. Eu merecia ser amaldiçoada. Eu merecia que tudo aquilo estivesse acontecendo comigo. Eu passei 17 anos da minha vida vivendo no luxo e na riqueza, agora, algum ser superior achava que era hora de eu pagar a minha dívida, depois de tantos anos sendo uma princesa. Agora eu tinha que saber como era a vida real.

Levei um susto ao sentir uma mão gentil em meu rosto, enxugando aquela lágrima que tinha escorrido. Ao pensar em tudo o que tinha acontecido, esqueci por um segundo a presença de Alex ao meu lado.

- Eu sei o que você está sentindo. – Aquele sorriso benevolente poderia partir meu coração naquele momento. Eu não o merecia. – Todos se emocionam quando finalmente chegam aqui.

Ele pensava que eu também sonhava em chegar aquele lugar, mas meus sonhos eram um pouco mais grandiosos. Sonhos que se desvaneceram ao constatar que eu merecia o meu destino. Minhas lágrimas eram pela minha vida perdida e por um futuro desconhecido que se alastrava a minha frente.

Sequei meu rosto e tentei retribuir o seu sorriso.

- Você é uma boa pessoa, no fim das contas. Você seria um bom Rei para o seu povo, Alex.

- Nunca ninguém me disse algo assim. – Ele riu do meu comentário, apesar de ter parado para pensar a respeito. – Mas aquele castelo seria realmente um lugar muito melhor que esse abrigo. Tenho certeza que poderia abrigar a todos que ainda vivem nas ruas ali.

Sorrindo, ele adentrou mais aquele amplo espaço. A maioria das portas eram para quartos, com inúmeras camas em cada um. Também era possível encontrar salas, onde as crianças estudavam e um espaço para refeições. Segundo Alex, seria suspeito se todos aparecessem no andar superior para comer ao mesmo tempo.

- Você pode ficar aqui se quiser. – Ele disse, se virando para me olhar. – Eles vão encontrar algo em que você possa ajudar. Aqui nunca vai faltar nada para comer nem um lugar para você dormir.

Senti um desespero aflorando dentro de mim. Por mais que eu soubesse que merecia aquilo, não podia evitar que o pânico de viver naquele lugar viesse à tona. Alex pensava que eu era mais uma daquelas pessoas, que ficaria totalmente satisfeita em viver daquele modo, mas aquilo era demais para mim.

Apesar da casa de Alex ser simples, eu passei uma noite em um quarto só meu. Não podia imaginar dividir um lugar com tantas pessoas, quando nunca passei por isso em toda a minha vida. Aquela era uma descida muito mais íngreme do que eu poderia aguentar naquele momento. Suas próximas palavras foram um sopro de alívio.

- Mas, se quiser continuar ajudando o abrigo mais ativamente, pode ficar na minha casa. É um trabalho mais perigoso, mas também é muito importante para esse lugar. – Ele passou a mão nos braços, como que para se aquecer. – Você sentiu isso? Foi como uma enorme corrente de ar passando por aqui.

Talvez meu sopro de alívio não tenha sido força de expressão. Não pude deixar de arregalar os olhos com suas palavras. Eu estava ficando angustiada com o rumo daquela conversa. Se ele não tivesse me dado uma melhor opção, o que poderia ter acontecido?

As cenas da minha mãe no chão, segurando a mão junto ao peito e das árvores totalmente destruídas na floresta, me vieram a mente. Olhei para todas aquelas crianças pensando no que poderia ter acontecido. Eu precisava sair daquele lugar.

- Eu vou te ajudar, Alex. Eu quero ficar com você.

Ele sorriu como que se já soubesse a minha resposta. Não consegui retribuir. Só queria sair daquele lugar o mais rápido possível.

6 comentários:

  1. Jana, eu não acompanho o conto desde o começo e por isso confesso que fiquei meio perdida. Porém, pelo pouco que li aqui, a protagonista tinha uma vida difícil até encontrar Alex, um rapaz que rouba para ajudar os pobres, especificamente, as crianças. A história parece ser muito bonita e bem elaborada. Gostei!!
    Bjs!

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    1. Olá, Alessandra :D
      Todos os capítulos estão no menu "Contos".
      Espero que você consiga ler.
      Beijos!!!

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  2. AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA que saudade que eu tava desse conto <3 achava que você tinha esquecido de postar esse cap </3

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    1. \o/
      Não esqueci não... hehehe
      Eu queria terminar o conto, antes de voltar a postar, só para não ficar muito tempo sem postar um capítulo novamente.

      Agora ele está prontinho e você vai ter um por semana, sem falta :D

      Espero que goste.
      Beijos!!!

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  3. Desde quando tem contos? O J-zuis, faz tempo que eu não entro aqui mesmo, vou ver os antigos capitulos, antes de ler este.

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    1. \o/
      Vou ficar muito feliz se você ler, Jessica <3
      Depois me conte o que achou :D
      Beijos!!!

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