A Fonte do Equilíbrio (Parte 2/2)

| 20 junho 2015 |

Estava deitada em uma grama úmida e fria. Levantei a cabeça me sentindo tonta e sem saber o porquê. Foi quando aquela sensação novamente me invadiu. A pedra estava em minha mão e dela emanava aquela áurea desconhecida de uma forma descomunal, porém, agora aquilo estava a minha volta, como se cada habitante do planeta houvesse passado por muitas provações e evoluído para algo maior, mas não necessariamente bom.

Me levantei devagar, sem nunca soltar aquela pedra misteriosa. Por mais que tivesse um poder ali que eu não entendia, me confortava ter nas mãos algo de tamanha beleza. Quando finalmente consegui desviar meu olhar da minha única companheira para olhar ao meu redor, meu coração parou de bater por um instante ao perceber onde eu me encontrava.

Todas as árvores, as sensações, os sussurros. Era exatamente onde eu sempre desejei e temi estar, na mesma intensidade. A floresta dos meus sonhos.

Meus sonhos nunca chegaram sequer perto da intensidade de sensações que era estar ali. Aquela floresta não parecia ser algo normal. Qualquer ser vivo me causava algum tipo de sensação, porém, plantas em geral emanavam uma energia tão fraca, quase inexistente, até mesmo para mim. Dentro daquela floresta era completamente diferente. Nem um humano sequer conseguia fazer com que eu sentisse tão claramente a sua presença.

Me causava uma sensação ruim, mas não como se houvesse algo ruim, mas como se aquilo fosse errado, como se o desiquilíbrio que ela causava não devesse existir. Como se aquela floresta representasse todo o desequilíbrio em si. Toda aquela sensação parecia minar as minhas forças, então, antes que algo acontecesse, eu comecei a correr.

Precisava encontrar uma forma de voltar para o meu mundo o mais rápido possível, para o que eu julgava ser a realidade, pois, dessa vez, eu tinha absoluta certeza que não iria acordar. Corri pelo o que pareceram ser horas, a sensação de desequilíbrio aumentando cada vez mais, mas eu não mudava de direção. Era como se minhas pernas me guiassem sozinhas em busca do seu objetivo. Eu não conseguia fazê-las parar, até um ponto em que foi impossível não travar o meu corpo inteiro devido ao medo.  A maior responsável pelos meus pesadelos estava diante de mim, em toda a sua glória.

Ela era ainda mais monstruosa do que eu me lembrava. Meu olhar não conseguia alcançar o fim de seus galhos pela sua altura gigantesca. Seu tronco parecia ser formado por uma massa estranhamente sólida, negra, mais grosso do que centenas de árvores juntas.

Um pensamento não saia da minha mente, por mais que eu não o entendesse completamente. “Isso não está certo. O equilíbrio não está mantido. Isso não está certo”.

Quando eu dei um passo para trás, não aguentando mais aquela sensação esmagadora que parecia que iria me sobrepujar a qualquer momento, eu ouvi a sua voz.

- Me ajude.

Eu fechei os olhos por um momento como que para saborear a sensação daquela voz novamente nos meus ouvidos. Era como um sopro de calor após um longo inverno. Um inverno que poderia ter durado meses, anos ou séculos.

Eu não precisei procurar para saber exatamente onde ele estava. No centro da árvore, quase que completamente engolido, estava a maior fonte de minhas angústias. Agora, com praticamente apenas o rosto de fora, sua expressão de dor cortou meu coração de uma forma incompreensível. Não era como um ser humano se compadecendo da dor de alguém. Era como se a dor dele fosse realmente minha.

Caminhei em sua direção com uma nova determinação. A pedra em minha mão começou a brilhar intensamente. Eu tinha quase me esquecido de algo que até a pouco tempo tinha minha total atenção. Sua luz me ajudava a continuar sem o peso esmagador de sensações que antes quase me impediram de seguir em frente.

Quase rezei naquele momento para que dessa vez eu não acordasse, apesar de saber que isso não aconteceria. Pela primeira vez, consegui chegar perto de seu rosto e eu pude realmente ver sua expressão.

Ele me olhou, não como se olha alguém nos olhos, mas como se ele olhasse mais profundamente, como se visse dentro de mim, meus sentimentos, meus medos, meus sonhos e minha alma. Mesmo que a expressão de dor não houvesse deixado seu rosto, o sorriso que ele me dirigiu era tudo o que eu precisava para me sentir completa.

Ergui as mãos para tentar tocar seu rosto, com a pedra em uma das minhas mãos. Quando todo aquele brilho tocou a árvore, foi como se algo começasse a se dissolver naquele tronco imenso. Algo escuro, uma névoa quase em forma líquida escorria pela árvore, levando consigo aquela sensação esmagadora que eu senti por tanto tempo. Como se aquilo tivesse vida própria, aquela nevoa seguiu em direção as outras árvores, para se esconder na floresta. Eu dei um passo para trás, não querendo que aquilo, o que quer que fosse, encostasse em mim, mas a substância se desviava ao chegar próximo e sentir o brilho da pedra que eu carregava.

A árvore continuava ali, quase inteira, exceto pela parte que havia se dissolvido. O tronco, antes enegrecido, agora tinha uma coloração natural, saudável e que me transmitia uma sensação de paz que eu nunca imaginei sentir. Agora eu me sentia bem, como se o mundo estivesse novamente girando da maneira certa, como se o equilíbrio estivesse em seu curso e com uma estranha sensação de dever cumprido, como se eu fosse a responsável por isso. Como se eu sempre tivesse sido a responsável por isso.

Eu voltei meu olhar para onde estava o rosto do garoto e me espantei ao vê-lo, pela primeira vez, inteiro, sem sua usual expressão de dor e com um grande sorriso em seus lábios. Tudo parecia bem porque ele estava ali. As coisas deveriam ser daquela forma, eu não sabia necessariamente o quê, mas eu sabia que, se ele estivesse ao meu lado, tudo estaria certo.

Ele fazia parte disso, de trazer o equilíbrio ao mundo. Estar dentro daquela árvore não era certo, eles eram opostos, então ambos precisavam existir, um não poderia suprimir o outro. Mas eu também fazia parte disso, eu podia sentir, nós dois juntos formando o verdadeiro equilíbrio. Isso era algo que eu sempre soube, mas, por algum motivo, foi suprimido dentro de mim durante muito tempo. Eu começava a ter vislumbres de vidas e vidas em que nós dois restaurávamos o equilíbrio do mundo, porque era por isso que nós existíamos.

Foi ali que eu entendi que eu sentia a vida ao meu redor, não porque eu era apenas parte dela. Eu era a vida, eu era a origem de tudo no mundo em que eu havia nascido, nesse mundo em que eu estava, repleto de sensações, e em todos os outros onde o equilíbrio era ameaçado.

E ele era meu companheiro nessa jornada. A parte do equilíbrio que mantinha a tudo, e mim mesma, em equilíbrio. Aquilo que eu precisava para manter o mundo girando, conforme a vida precisava para seguir o seu curso.

- Eu sabia que você viria. - Disse ele, me olhando com admiração. - Você nunca deixou de vir.

- Como assim? - Perguntei, mas já quase compreendendo completamente qual seria a sua resposta.

Ele sorriu para mim e eu reconheci aquele sorriso de muitos outros lugares, de muitos outros lábios, mas no fundo, eu sabia que era o mesmo. 

Eu olhei para ele e foi como se eu sempre o tivesse conhecido. Eu sabia que nunca tinha visto seu rosto, ou ouvido a sua voz, mas era como se nossas almas de conhecessem a milênios. Mesmo nunca o tendo visto com aqueles olhos escuros, cabelos igualmente negros, ou tocado seu rosto com aquele formato, eu sabia, em algum lugar, que eu o conhecia, e por isso não recuei quando ele trouxe seus lábios em direção ao meus.

E eu estava muito feliz por dessa vez saber que não corria o risco de acordar. Podia me perder para sempre naquele momento. E para nós, o “para sempre”, sempre foi em seu real sentido.

4 comentários:

  1. Achei ótimo esse conto, super bem elaborado, gostei muito do desfecho, parabéns!

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  2. Eu leio, depois leio de novo e fico boba com sua capacidade de escrita. Parabéns!

    Beijos,
    apenasumaleitura.blogspot.com.br

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