Escrito com Sangue (Parte 3/4)

| 02 maio 2015 |

Meg sentia a cabeça rodar. Tentou abrir os olhos algumas vezes sem sucesso. Ela estava desconfortável, como se estivesse sentada em uma cadeira qualquer e não em sua própria cama. Desconfiando que estivesse dormindo na biblioteca, ela se forçou para abrir os olhos e, o grito que ela sentia que iria sair, ficou preso em sua garganta.

Ela se lembrava claramente daquela manhã, quando passou em frente à sala do jornal. Aqueles olhares, como que ensaiados, direcionados para ela. Agora, era como se aquilo se repetisse, mas de forma muito mais assustadora.

Ela estava realmente sentada em uma cadeira, mas não na biblioteca, ela tinha visto o suficiente para saber que estava na sala do jornal estudantil. Aquele garoto, que a havia perseguido, seja em sua imaginação ou não, estava sentado bem a sua frente, com a cadeira virada ao contrário, e os braços apoiados em seu encosto.

Os outros seis estavam em pé, em uma meia lua, como que formando uma barreira entre ela e a tão almejada saída.

- Meg. – Começou o garoto sentado. Ela gostaria de saber como ele sabia o seu nome, mas não tinha coragem de perguntar. – O que você estava fazendo aqui ontem a noite?

Meg sabia que aquela era a mesma voz que ela tinha ouvido ameaçando o garoto que não parava de chorar na noite anterior. Havia acontecido o que ela mais temia. Essa noite seria ela a vítima, seria ela a responsável pelos gritos.

- Nada. – Respondeu Meg, quase sussurrando. – Eu só estava indo para casa, eu não vi nada, eu juro.

Quando terminou de falar, ela soube que aquela era a resposta errada. O sorriso malicioso que surgiu nos lábios do líder daquela gangue, do ponto de vista dela, ele estava sentado e lhe interrogando, portanto, devia ser o líder, só lhe dizia que ela tinha acabado de confessar o que eles queriam saber.

Ela conseguiu olhar em volta e percebeu que os outros também sorriam. Sorrisos que lhe causavam arrepios.

- Tem certeza? – Ele perguntou novamente, e ela voltou a sua atenção para aquele que estava bem a sua frente. - Sabe, esse é um caminho sem volta.

Ela ficou ainda mais assustada. Se lembrou das palavras ditas ao outro garoto, e do sangue na porta. Meg não estava disposta a esperar pacientemente o que quer que fosse acontecer. Talvez, se o elemento surpresa estivesse a seu favor, ela conseguisse sair dali.

Meg não estava presa, apenas sentada na cadeira, portanto, se movimentou o mais rápido que podia. Levantou quase se jogando em direção a porta, até conseguiu passar pelos garotos em pé, que não fizeram um movimento sequer para impedi-la.

Quando estendeu a mão para a maçaneta, um corpo se materializou bem a sua frente. O choque foi inevitável. Ele a segurou pelos ombros, assim seu rosto não bateu com força no peito a sua frente, porém, nada poderia explicar como ele havia chegado tão rápido ali. Nem os garotos que estavam de pé poderiam ter passado a sua frente tão rapidamente.

Ela ouviu risos as suas costas. Provavelmente provocados pela sua tentativa de fuga, porém, ela estava perplexa demais para se incomodar com isso. Ela levantou os olhos vagarosamente e, mais uma vez, encontrou aqueles olhos negros lhe encarando.

Era como se o mundo parasse novamente, como se algo estivesse muito certo. Aquelas mãos tocando em seus braços lhe passavam uma calma que ela jamais sentiu. Ela sabia que deveria se afastar, mas, a mesma força que antes a deixou paralisada, agora, a impelia para ele.

Ele sorriu novamente, muito perto dela, e, pela primeira vez, ela percebeu dois dentes bem diferentes dos normais, se sobressaindo dos demais. Duas formas brancas, muito parecidas com presas.

- Nós só chamamos a atenção de quem tem algum tipo de afinidade com o nosso mundo. A maioria das pessoas aqui nessa escola nem nos enxerga completamente. Se você nos viu, se chegou até aqui, é porque está em seu destino.

Ele soltou um de seus braços e tentou pegar uma um mecha de seu cabelo, mas ela se afastou. Aquilo não era possível, não poderia ser real.

- Mesmo que você fique tentando se convencer de que isso não é real, não vai tornar tudo isso menos real, Meg.

Sua respiração ficou presa por um segundo. Era como se ele soubesse o que ela estava pensando. Aquela ideia era ainda mais assustadora do que tudo que ela tinha visto até ali. Ele se afastou e abriu a porta. Ela até tinha se esquecido que havia outras pessoas naquela sala, até que eles saíram um a um.

O garoto continuou segurar a porta, mesmo quando todos já tinham saído. Ela não sabia o que fazer, até que sua voz a atingiu como nunca.

- Você tem uma semana para decidir se quer se juntar a nós, ou...

Novamente aquele “ou” jogado no ar. Ela já tinha ouvido aquilo antes e não tinha terminado nada bem. Pelo menos, era o que ela achava, mas havia uma voz dentro dela, algo que ela realmente não conseguia entender, que lhe dizia que aquilo tudo era certo, que aquele era o seu destino.

Meg balançou a cabeça para clarear seus pensamentos.

- O que isso significa? O que são vocês? O que acontece se eu me juntar a vocês, ou não me juntar a vocês?

Ele sorriu e virou as costas, seguindo os seus amigos pelo corredor.

- Isso, você vai ter que descobrir.

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Após eles a deixarem sozinha, Meg tinha certeza que demorou pelo menos uma hora para se mexer. Ela não fazia ideia que horas eram, como ela havia chegado à escola, mas precisava voltar para a sua casa.

Ela andou até lá sem encontrar ninguém na rua, o que era muito estranho. Ao chegar, e ver que já passava da meia-noite, se assustou. Que perigo andar àquela hora sozinha na rua! Sua mãe a mataria se soubesse, mas, ela já tinha muita loucura com que se preocupar.

Quem eram aqueles garotos, e o que eles realmente queriam com ela?

Meg se espantou ao perceber que não sentia realmente medo. Ela estava assustada, muito assustada, até aquele garoto lhe tocar. Ela não conseguia entender, era algo muito além dela, além de tudo o que ela conhecia, como aquela sensação lhe pareceu ser certa.

Ela passou o resto da noite praticamente em claro, e correu para a escola assim que possível. Com uma coragem que ela não sabia que possuía, foi direto para a sala do jornal estudantil. Tentou abrir a porta, sem se importar com quem passasse pelo corredor, porém, ela estava fechada, e parecia não ter ninguém ali dentro.

Era realmente muito cedo, não havia quase nenhum aluno na escola, mas, ir para a biblioteca estava fora de cogitação. Sua mente inquieta não lhe daria a concentração suficiente para ler uma página sequer.

Logo que ela saiu do prédio, em direção aos jardins, era como se ele tivesse se materializado. O garoto estava encostado em uma árvore, com um dos pés apoiado no tronco, enquanto as mãos estavam escondidas pelos bolsos de sua calça.

Meg nem ao menos esperou pelo sobressalto característico de seu coração e foi em sua direção. A expressão dele era indecifrável. Ela não fazia ideia se ele estava feliz, decepcionado ou surpreso com a sua atitude.

Quando estava perto o suficiente, ela perguntou algo que a estava incomodando, o que finalmente lhe rendeu um sorriso da parte dele.

- Qual o seu nome? – Ele tirou a mão dos bolsos, se desencostou do tronco e começou a andar em direção a biblioteca.

- Você pode me chamar de Lucas.

Ela não se importou se podia ou não, simplesmente o seguiu. A biblioteca estava completamente vazia, mesmo a senhora Eva parecia estar dormindo em seu posto habitual. Lucas sentou em uma mesa afastada, no meio de várias estantes e Meg se acomodou a sua frente. Ele colocou os pés em cima da mesa, mas, ninguém iria saber, se nem mesmo a senhora Eva havia os visto entrar, e Meg tinha assuntos mais importantes para se preocupar.

- O que são vocês? O que querem de mim? – Ela foi direto ao ponto. Aquilo a estava enlouquecendo. Já tinha se conformado que nada daquilo era fruto de sua imaginação, porém, essa constatação só a deixava mais perdida do que antes.

- Eu não quero nada de você Meg. É você quem quer, só não sabe disso ainda. Não sabe ou não consegue assumir para você mesma.

Ele sorri e Meg se esforça para não retribuir. Mesmo com aquele sorriso perfeito não sendo nem um pouco simpático, mas sim, assustador, algo dentro dela acreditava naquelas palavras, ao mesmo tempo em que seu lado racional de esforçava terrivelmente para não acreditar em nenhuma delas.

- O que você quer dizer com isso?

Lucas tira os pés da mesa e apoia os braços, em uma tentativa óbvia de diminuir o espaço entre eles.

- O que você tem que saber é que algumas pessoas nascem conscientes de que serão algo a mais. Todo o seu esforço e dedicação não são apenas para entrar em uma faculdade, ter um emprego comum, você só ainda não percebeu que faz parte de algo a mais. Nós somos a evolução da espécie. Predador e presa se você preferir. – Nesse momento ele sorri de forma que ela visse os seus caninos afiados mais uma vez. – Você não pode fugir de quem você é, e é por isso que você veio até mim, é por isso que algo te atraiu, para que eu finalmente libertasse você.

Meg sentia sua mente flutuando. Aquilo era algo completamente novo, mas ela sentia que já conhecia cada uma daquelas palavras. Ele realmente não lhe explicou nada, mas era como se ele tivesse aberto um mundo de possibilidades, mesmo que ela não entendesse nenhuma delas.

- Eu não tenho como te explicar e, mesmo que tivesse, você não entenderia. – Ele respondeu sua pergunta não dita. – Sua mente e seu corpo precisam ser libertados, só assim você irá entender porque veio até nós, porque buscava algo completamente diferente do que seria o seu futuro.  O seu destino é ser parte da evolução para a qual a maioria das pessoas ainda não está preparada.

- Por que você fala tanto em destino? – Foi tudo o que Meg conseguiu perguntar, a única palavra que ela conseguiu se apegar em meio a todas aquelas informações. Lucas parecia ter gostado da sua pergunta.

- O que é o destino, Meg? – Seu olhar brilhou fugazmente enquanto ele lhe dirigia aquelas palavras. - Escolhas que nós fazemos, ou escolhas que são feitas por nós? Nós acreditamos que o destino seja a evolução, o crescimento para aqueles que estão preparados para se encontrar com ele, assim como você Meg. Não se pode fugir do destino, porque nós sempre vamos em direção a ele.


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